Análise do Oscar 2022: confira os 10 erros da premiação

Um dos piores Oscars da história. Infelizmente, essa afirmação não tem nenhum exagero e será sempre lembrada pelos piores motivos possíveis. Antes de comentar essas razões (pode ficar tranquilo, falarei sobre todas, inclusive AQUELE momento), aproveito para destacar que acertei 21 das 23 categorias, prevendo errado só roteiro original e atriz, categorias confusas em que resolvi arriscar. Em todas as outras, fui no óbvio, o que mostra quão previsível e preguiçosa a Academia foi. 

Outro motivo de orgulho foi ter acertado pelo segundo ano consecutivo os três vencedores das categorias de curta-metragem, que costumam ser o motivo de muita gente perder bolões. Mais abaixo, comentarei brevemente o que me levou a apostar em cada vencedor, incluindo as razões para ter acertado a vitória do adorável No Ritmo do Coração (CODA) em melhor filme.

Agora, vamos à cerimônia. Para não dizer que foi tudo horrível, ao menos alguns discursos foram bonitos (Troy Kotsur, Ariana DeBose e Jessica Chastain aproveitaram muito bem seus momentos), e, diferentemente do ano passado, melhor filme ficou por último, os Oscar clips estavam todos lá (ainda que só os de atuação tenham sido satisfatórios, enquanto todas as outras categorias tenham apenas cumprido tabela) e as apresentações das canções não ficaram de fora. Mas, tudo isso era o mínimo que se espera de uma premiação como o Oscar, então nenhum crédito deve ser dado aos produtores da cerimônia.

Para ficar mais fácil entender o que deu tão errado, preparei uma lista de todos os equívocos:

10 erros do Oscar 2022

1. Desrespeito com artistas e com o público

Antes do começo da cerimônia ao vivo, oito categorias foram apresentadas numa cerimônia fechada, e nós tivemos que descobrir os vencedores pelo Twitter. Isso acabou com qualquer suspense, mesmo que os discursos tenham sido incluídos ao longo da premiação – sem creditar os artistas, só citando os nomes dos filmes, e fingindo que era ao vivo, como se o público não tivesse capacidade de distinguir.

Essas inserções foram deploráveis, já que foram editadas de modo a tentar acelerar cada categoria. Aliás, a controversa decisão de deixar categorias mais técnicas de fora aconteceu sob o pretexto de que isso encurtaria a cerimônia, o que não ocorreu. Pelo contrário, ela durou mais do que o esperado, graças a uma série de outras decisões inexplicáveis. Isso apenas mostrou como a Academia se rendeu à pressão do canal ABC por audiência, deixando claro que artistas envolvidos nas categorias de edição, som, maquiagem e penteados, trilha sonora, design de produção e curtas não são considerados valiosos pelos produtores do Oscar, que supuseram que o público não se interessaria. E o pior: tudo isso para nada, uma vez que o aumento em relação ao ano passado (assim como aconteceu com outras premiações, já que há 1 ano ainda estávamos numa situação mais crítica da pandemia), colocou a cerimônia deste ano como a segunda pior da história em audiência.

Outro desrespeito aconteceu com o diretor japonês Ryusuke Hamaguchi, que foi interrompido rapidamente (e mais de uma vez!) durante seu discurso pelo prêmio de melhor filme internacional por Drive My Car (2021). Não pegou nada bem interromper um artista estrangeiro enquanto famosos de Hollywood tiveram tempo de sobra para agradecer.

2. Aproximação fracassada com o público que não é cinéfilo

Muitas das escolhas absurdas partiram da necessidade de mais audiência, e uma maneira para tentarem alcançar isso foi se aproximar do grande público. Para tanto, fizeram votações populares que, em teoria, poderiam fazer o público que lota os cinemas para ver filmes da Marvel votar em peso e se interessar pela cerimônia. Na prática, o tiro saiu pela culatra, como previsto. Fãs organizados votaram em peso para filmes sem qualquer apelo com o grande público, e as duas categorias populares foram vencidas por filmes de Zach Snyder que nem tiveram lançamento no cinema. Além disso, esses momentos foram simplesmente jogados na cerimônia sem nenhum contexto.

3. Apresentações musicais e homenagens desnecessárias

Tirando os números musicais dos indicados, como o incrível vídeo de Beyoncé na abertura, todas as outras tentativas de apresentar um espetáculo deram errado. Não fez o menor sentido colocarem no meio da cerimônia uma versão diferente de “We Don’t Talk About Bruno”, hit da animação premiada da Disney, que, por sinal, é de quem a ABC faz parte…

Também não funcionaram as homenagens à série 007 e ao filme O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972). Ambas apressadas, sem mostrar nada novo. Só serviram para tirar espaço de categorias preteridas e aumentar ainda mais a duração.

5. In Memoriam insultante 

Um dos momentos mais emocionantes de toda premiação virou motivo de piada, com uma música alegre com dançarinos que pareciam estar numa apresentação de Glee. Também pegou mal a distância entre a tela e os rostos e nomes dos homenageados, assim como a ausência de nomes como Anne Rice e Gaspard Ulliel. E, para piorar, colocaram até um cachorro no palco. O filhote estava visivelmente assustado com o barulho.

6. Apresentadores aleatórios demais

Em um lado, esportistas sem qualquer relação com o cinema ou com os indicados. Em outro, duplas de filmes conhecidos que não fizeram nada além de apelar para a nostalgia, aparecendo após trechos de suas obras. A pergunta que fica: por quê?

7. Anfitriãs sem química

Depois de alguns anos sem anfitrião, colocaram Regina Hall, Amy Schumer e Wanda Sykes para apresentar juntas, mesmo sem necessidade. Como ninguém deve ter aceitado segurar essa bomba por conta própria, as três foram os alvos da vez. Inicialmente, parecia que fariam um bom trabalho, mas as piadas boas acabaram rapidamente, e logo o tom depreciativo e desagradável dominou. Além disso, elas não tinham química alguma, e diversos momentos serviram apenas para constranger os convidados e o público em casa.

8. Manifestações quase inexistentes

Tirando uns slides com uma mensagem qualquer, a existência de uma guerra na Ucrânia foi praticamente ignorada. É como se os participantes da cerimônia estivessem numa bolha. E nenhum teve a decência de ao menos citar o absurdo que foi seus colegas de trabalho terem sido relegados à entrega de prêmios em uma cerimônia separada. Falando nisso, o desrespeito com os vencedores dos prêmios honorários foi, mais uma vez, inacreditável. Lendas como Samuel L. Jackson, Liv Ullmann e Danny Glover finalmente se tornaram vencedores do Oscar numa cerimônia realizada em outro dia (e sem transmissão), mas quase ninguém percebeu.

9. Tédio e falta de ritmo

O básico de qualquer premiação é ter um ritmo agradável e fluido, o que não aconteceu aqui. Quando a gente achava que as coisas estavam melhorando, vinha algo completamente aleatório atrapalhar o ritmo. E o tédio dominou, pelo menos até a “torta de climão” se instaurar…

10. Violência verbal e física ao vivo

Quem diria que um dos queridinhos de Hollywood veria sua noite de coroação da sua bem-sucedida carreira tornando-se um vexame e prejudicando sua imagem de “bom moço”? Após uma sucessão de desastres, veio a grande bomba da noite. Um momento que ninguém poderia esperar.

Depois de fazer uma “piada” totalmente repreensível e que, por si só, deveria ser motivo de muita indignação, Chris Rock foi agredido fisicamente por Will Smith. O marido de Jada Pinkett Smith perdeu o controle quando Rock zombou de sua esposa, que sofre de alopecia, e foi até o palco dar um soco no humorista. Depois, proferiu xingamentos de seu assento.

À princípio, parecia mais um quadro de humor sem sentido e sem graça, mas logo o público percebeu que havia testemunhado algo inédito, histórico e estarrecedor. Em questão de segundos, o clima da cerimônia pesou e manteve-se assim até o fim, atrapalhando a celebração dos demais vencedores. Um deles, o próprio Smith, que fez um discurso longo em que tentou defender seu ato impensado. Foi um dos discursos mais constrangedores já vistos, e todo esse escândalo colocou uma sombra tão grande sobre a cerimônia que ela será sempre lembrada como “o Oscar do tapa”.  

Confira os vencedores do Oscar 2022

Agora que falei da parte triste deste Oscar, vamos aos vencedores. Com poucas exceções, as escolhas da Academia foram bastante frustrantes, como mencionei lá no começo. Os vencedores estão em negrito. 

CURTA DE FICÇÃO

  • The Long Goodbye 
  • Please Hold
  • The Dress
  • Ala Kachuu – Take and Run
  • On My Mind

Análise: a presença de Riz Ahmed e a mensagem impactante e atual fez diferença para este curta bem fraco e de mão pesada. 

CURTA DE DOCUMENTÁRIO

  • The Queen of Basketball
  • Audible
  • Lead Me Home
  • Three Songs of Benazir
  • When We Were Bullies

Análise: além de ter um apelo social e histórico, The Queen of Basketball era o mais charmoso dos curtas, com uma figura muito carismática conduzindo a narrativa. Sua morte pouco tempo antes da cerimônia deu mais visibilidade à obra.

CURTA DE ANIMAÇÃO

  • The Windshield Wiper
  • Bestia
  • Robin Robin
  • Affairs of the Art
  • Boxballet

Análise: The Windshield Wiper era o curta com maior apelo universal entre os indicados com uma mensagem socialmente relevante mais clara. Essa mensagem está ligada a relações amorosas nos dias atuais, o que deve gerar uma grande conexão com os votantes.

MAQUIAGEM E PENTEADOS

Análise: as vitórias de Os Olhos de Tammy Faye nos precursores mais recentes indicavam o caminho que a Academia trilharia.

DESIGN DE PRODUÇÃO

Análise: Duna ganhou os precursores necessários para virar favorito.

TRILHA SONORA

Análise: Hans Zimmer fez um trabalho bem chamativo e que foi destacado ao longo da temporada pela criação de sons únicos. Era a trilha que mais ganhou prêmios que costumam se repetir no Oscar.

EDIÇÃO

Análise: a Academia tende a reconhecer obras com edição chamativa, e é comum o vencedor ganhar ou ao menos ser indicado a som também.

SOM

Análise: O filme levou quase tudo na categoria e tinha o perfil de obra que costuma ser reconhecida aqui (grandes espetáculos visuais e sonoros).

EFEITOS VISUAIS

  • Duna
  • Homem-Aranha: De Volta para Casa
  • Free Guy: Assumindo o Controle (Free Guy)
  • 007 – Sem Tempo para Morrer
  • Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis (Shang-Chi and the Legend of the Ten Rings)

Análise: Duna não tinha concorrência nesta categoria, tendo vencido praticamente todos os precursores importantes.

CANÇÃO

Análise: Billie Eilish era a favorita, tendo vencido praticamente tudo desde o Grammy do ano passado. O fato de estar em um filme visto por muita gente não atrapalhou.

FOTOGRAFIA

Análise: Duna venceu o sindicato e o BAFTA, o que mostrava sua força. Além disso, o Oscar quase sempre foi para os filmes considerados os grandes espetáculos visuais de seus anos, pelo menos na última década, e o filme de Denis Villeneuve se encaixava nesse padrão.

FIGURINO

Análise: não tinha para ninguém. Cruella ganhou praticamente tudo antes do Oscar.

ANIMAÇÃO 

Análise: na dúvida, não aposte contra a Disney, principalmente quando seu principal filme na disputa está no auge da popularidade e bastante acessível aos votantes. 

DOCUMENTÁRIO 

  • Summer of Soul (… ou, Quando a Revolução Não Pode Ser Televisionada) ((Summer of Soul (… or, When the Revolution Could Not Be Televised)
  • Flee – Nenhum Lugar para Chamar de Lar
  • Attica
  • Writing with Fire
  • Ascension

Análise: o documentário com mais pinta de crowdpleaser e que teve maior visibilidade era o favorito, que liderou os prêmios da crítica e demais precursores.

FILME INTERNACIONAL

Análise: seria ilógico se o único desta categoria que conseguiu aparecer também em roteiro, diretor e filme não tivesse mais votos. 

ROTEIRO ORIGINAL

Análise: Belfast ganhou só o Globo de Ouro e o Critics Choice, que não possuem votantes em comum. Por isso, resolvi arriscar em A Pior Pessoa do Mundo, supondo que a ala internacional faria diferença numa categoria tão aberta. 

ROTEIRO ADAPTADO

Análise: após surpreender no BAFTA e levar o WGA como esperado (já que os outros pesos pesados não estavam indicados pela questão da elegibilidade), No Ritmo do Coração virou o favorito, fortalecendo o filme na categoria principal.

ATOR COADJUVANTE

Análise: Kotsur deixou Smit-McPhee, que venceu apenas o Globo de Ouro, comendo poeira. Com SAG, Critics Choice, BAFTA e Film Independent Spirit Awards em mãos, o ator mais carismático da temporada conquistou as pessoas a cada discurso e fez todo mundo lembrar de como ele está irresistível em seu filme. Com um discurso cativante, Kotsur tornou-se o primeiro ator surdo a vencer uma categoria de atuação masculina.

ATRIZ COADJUVANTE

Análise: além de ser uma rara vencedora latina, negra e LGBTQOA+, DeBose teve o diferencial de seguir os passos de Rita Moreno, sua colega de elenco que venceu o Oscar pela mesma personagem, décadas atrás. Após ter vencido todos os precursores televisionados, DeBose chegou à vitória sem dificuldade.

ATOR

Análise: Smith venceu todos os prêmios televisionados, mesmo não tendo aparecido muito entre as premiações da crítica.

ATRIZ

  • Jessica Chastain, Os Olhos de Tammy Faye (The Eyes of Tammy Faye)
  • Penélope Cruz, Mães Paralelas (Parallel Mothers)
  • Kristen Stewart, Spencer
  • Olivia Colman, A Filha Perdida
  • Nicole Kidman, Apresentando os Ricardos

Análise: Cruz não foi beneficiada pelos votantes internacionais, como eu previ numa aposta arriscada. Quem levou a melhor foi Chastain, que era a favorita após sua vitória no SAG.

DIRETOR

Análise: assim como Chloé Zhao ano passado, Campion levou tudo e simplesmente não teve concorrência clara. Por isso, a única diretora indicada duas vezes nesta categoria teve caminho livre para virar a terceira mulher a vencer o prêmio. É a primeira pessoa a vencer nesta categoria sem mais nenhuma vitória para seu filme desde Mike Nichols, por A Primeira Noite de um Homem (The Graduate, 1967).

FILME

Análise: No Ritmo do Coração teve um surgimento na reta final da votação, seu apelo emocional era inegável, sua mensagem social latente, e ganhou uma campanha da Apple muito forte na hora certa. Com o sistema de votação preferencial, que beneficia o consenso, o filme se deu melhor, já que tinha pouca gente que desgostava dele e, consequentemente, menos votos entre os últimos lugares no ranking entre os indicados (o que pode ter atrapalhado o mais aclamado Ataque dos Cães, assim como a resistência a um faroeste desconstruído, sobre gays enrustidos e com emoções e respostas não tão fáceis quanto o vencedor do Oscar).

As vitórias de No Ritmo do Coração no SAG (como melhor elenco) e principalmente no PGA, que tem o mesmo sistema de votação do Oscar, foram decisivas, assim como a vitória em roteiro no BAFTA. Este drama convencional é o primeiro lançado no Festival de Sundance a ganhar o Oscar de melhor filme. 

No Ritmo do Coração ganhou todas as suas três indicações, sendo o primeiro vencedor de melhor filme a fazer isso desde O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei (The Lord of the Rings – The Return of the King, 2003). Também é o primeiro em décadas a vencer só com 3 indicações, e o primeiro a vencer sem indicações de edição e diretor. Por fim, trata-se ainda do primeiro filme estrelado por surdos a vencer esta categoria. Pontos para a diversidade!

 

E você, gostou dos vencedores e da cerimônia do Oscar 2022? Conte nos comentários!

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