Crítica: Bela Vingança (2020)

Deixar as expectativas de lado é essencial para avaliarmos filmes pelo que são e pelo que se propõem a fazer, não pelo que esperávamos ou desejamos que ele tivesse feito. Se isso já deveria ser a norma, em determinadas obras esse cuidado é vital. Um exemplo disso é Bela Vingança (Promising Young Woman, 2020), que começa parecendo mais uma jornada de vingança após um caso trágico de estupro mas acaba revelando ter camadas bem inesperadas, mostrando como um trauma tão devastador pode alterar a vida das vítimas e de pessoas próximas.

Essa mistura de drama com comédia e suspense aborda muito bem como a culpa pode transformar a nossa vida, mesmo quando os culpados são outros, que geralmente ficam impunes pelo que fizeram. Emerald Fennell estreia na direção com uma propulsão invejável.  Seu filme subverte nossas expectativas a todo instante e evita soluções fáceis de catarse, inclusive não mostrando violência desnecessária, só quando a história realmente pede e sempre reforçando os seus impactos em vez de chocar só por chocar.

A cineasta cria um clima de diversão sem nunca minimizar a gravidade das situações retratadas, e a trilha sonora ajuda muito nisso, tanto a instrumental quanto as músicas selecionadas para ilustrar as cenas. O elenco também é um grande acerto, desde a escolha inspirada dos atores coadjuvantes até a atuação fenomenal de Carey Mulligan, que cria uma performance icônica, falando e agindo com precisão mas sempre sem esforço algum. Trata-se de uma personagem extremamente complexa e que desperta um turbilhão de emoções conflitantes, mas tanto a atriz quanto o roteiro nunca perdem de vista quem é aquela pessoa falível de carne e osso, que seria tratada como uma sociopata vingativa em qualquer outra obra.

É  no terceiro ato que a cineasta mostra sua maior ousadia. Sua decisão para o encerramento da história gera não só reflexão mas também sentimentos que oscilam entre tristeza, frustração e uma catarse ambígua. Com certeza nós debateremos por anos a fio o controverso desfecho de Bela Vingança, que tem o mesmo efeito de uma montanha-russa: proporciona uma experiência divertida que surpreende a cada curva, tira nosso fôlego, deixa nosso estômago embrulhado e nos desnorteia no final.

Nota: 9

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3 thoughts on “Crítica: Bela Vingança (2020)

  1. Menino, jamais esperava que o final fosse para aquela direção, fiquei até sem palavras. Seu primeiro parágrafo é importantíssimo e faz todo o sentido pra analisar esse filme. Expectativa pode nos levar a um gosto amargo depois.

    Carey está impecável aqui. O filme nos dá muito a refletir sobre essa cultura tóxica e machista que ronda esse tipo de situação. São muitas camadas, realmente.

    Excelente review! 😉

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