Crítica: Pacarrete (2020)

Para muitas pessoas, a paixão por algo é tão inerente à sua felicidade delas que é praticamente impossível pensar nelas sem associá-las a isso. A protagonista de Pacarrete (2020) é assim, uma bailarina completamente apaixonada por sua arte. Mesmo não estando mais em seu auge, a personagem ainda é movido pelo balé, não desistindo de seu sonho de expor o seu talento, ainda que a idade e as circunstâncias não estejam a seu favor.

Mesclando drama e comédia com muita delicadeza, o filme conta a história dessa cearense baseada em alguém que fazia parte do imaginário popular de Russas, cidade-natal do diretor Allan Deberton. Por ter um jeito espalhafatoso, usar roupas chamativas e falar sobre balé na maior parte do tempo, Pacarrete era alguém que se destacava (nem sempre de forma positiva), e as pessoas da cidade costumavam considerá-la uma mulher louca e desequilibrada.

No início do filme, inevitavelmente acabamos ficando com essa impressão, afinal, estamos condicionados a julgar quem é diferente dos demais antes de tentarmos saber por que alguém como ela age dessa forma. Essa pré-concepção é toda de responsabilidade nossa, já que o diretor é habilidoso e jamais trata sua protagonista como uma pessoa merecedora de nossos olhares de reprovação, mesmo com seu jeito abrasivo e ríspido.

À medida que percebemos a importância da dança na vida da protagonista e acompanhamos sua frustração para tentar manter seus sonhos vivos, vamos abraçando a personagem. Marcélia Cartaxo é uma de nossas melhores atrizes vivas e, mais uma vez, ela entrega uma performance brilhante e à altura de sua Macabéa de A Hora da Estrela (1985). O que poderia virar uma caricatura artificial nas mãos de outra pessoa, na pele de Cartaxo a protagonista de Pacarrete é uma pessoa complexa e cheia de nuances. Em certo ponto do filme, vemos a dançarina passar por uma mudança drástica e a atriz aproveita a chance para nos impressionar ainda mais com seu talento, remetendo a performances como a de Lesley Manville em Mais um Ano (Another Year, 2010), um filme de Mike Leigh em que a saúde mental é abordada de maneira devastadora, assim como na obra de Deberton.

João Miguel, Soia Lira e Zezita Mattos também estão incríveis e o diretor consegue tirar o melhor de cada um. Apesar de ser sua estreia em longa-metragens, Deberton faz escolhas inteligentes, incluindo no elegante visual. Graças à toda a equipe, Pacarrete  é um emocionante retrato de artistas que sofrem com o desprezo em nosso país, principalmente aqueles que não são populares como antes e estão em ambientes que não valorizam outras formas de arte que não sejam as que estão na moda. A beleza do filme está justamente em lançar um olhar repleto de empatia sobre essas pessoas que apenas querem ser felizes enquanto se entregam às suas paixões.

Nota: 9,0

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