Neste ano, tive a oportunidade de cobrir a 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que esteve disponível para todos os interessados no Brasil de forma on-line, em função da pandemia. Clique aqui para ver os premiados desta edição e veja abaixo as minhas avaliações dos filmes que conferi.
Isso Não é um Enterro, é uma Ressurreição (This Is Not a Burial, It’s a Resurrection, 2020)
O luto é a força motora da protagonista de Isso Não é um Enterro, é uma Ressurreição (This Is Not a Burial, It’s a Resurrection, 2020), um dos filmes mais estonteantes do ano, não apenas pela fotografia acachapante e inesquecível, mas pela beleza com que o diretor Lemohang Jeremiah Mosese conduz a história de uma mulher que precisa lidar com a morte e a solidão enquanto se depara com a injusta inundação da vila onde mora e, consequentemente, do lugar onde estão enterrados seus parentes. Os gestos, expressões e olhares de Mary Twala nos guia em sua jornada de perseverança e, num mundo justo, esta atriz de 80 anos receberia todos os prêmios do mundo por sua atuação espetacular.
Nota: 10
Valentina (2020)
Bastante acessível, Valentina (2020) aborda as agressões diárias que uma adolescente trans sofre ao se mudar para uma pequena cidade. Além do preconceito enfrentado, a jovem precisa correr contra o tempo para conseguir que o pai ausente assine um documento para que ela tenha seu nome social usado na escola. O filme é discreto, mas muito poderoso. A química entre os ótimos atores garante a leveza que a história pede. Guta Stresser arrasa e os mais jovens estão entre as melhores revelações do ano, principalmente a protagonista e seu melhor amigo gay, que é muito mais do que um adereço, como ocorre em outros filmes. É o tipo de obra que deveria ser mostrado em escolas de todo o Brasil.
Nota: 8,5
O Nariz ou a Conspiração dos Dissidentes (The Nose or Conspiracy of Mavericks, 2020)
Uma das animações mais inventivas dos últimos anos, O Nariz ou a Conspiração dos Dissidentes (The Nose or Conspiracy of Mavericks, 2020) é uma odisseia brincalhona e metalinguística que satiriza o regime de Stalin a partir de muito experimentalismo e técnicas diversas de animação. O frescor se perde um pouco à medida que o tempo avança, mas o filme volta a impressionar com a forte crítica ao autoritarismo que fecha esta ópera surrealista.
Nota: 8,0
Beans (2020)
Em 1990, o Canadá passou por 78 dias de muita tensão, devido a protestos violentos entre a população indígena e os brancos preconceituosos que viviam em Quebec. Esse período é o contexto da delicada história de amadurecimento retratada em Beans (2020). Nós acompanhamos uma pré-adolescente descobrindo sua própria força em meio aos conflitos. Alguns clichês desse tipo de história não são evitados, mas a protagonista carrega muito bem o filme, que ganha muitos pontos pelas impactantes cenas de confronto, exibidos tanto em cenas reais quanto ficcionais.
Nota: 8,0
Casa de Antiguidades (2020)
Para refletir a sensação de desconforto de seu protagonista, um homem negro tendo que trabalhar em uma fábrica localizada numa cidade do interior do sul brasileiro, o diretor João Paulo Miranda Maria nos coloca em uma sensação constante de inquietude em Casa de Antiguidades (2020). A história se desdobra como um estranho pesadelo em que os monstros são os racistas e xenofóbicos moradores do local. Apesar de ter um clímax que não funciona totalmente por se entregar ao surrealismo ao mesmo tempo em que escancara as obviedades do roteiro, o filme é um suspense que instiga nossos sentidos de forma interessante, e a atuação fantástica e corajosa de Antonio Pitanga reforça por que ele é um dos maiores atores do cinema brasileiro.
Nota: 7,5
Dias (Days, 2020)
Filmes sobre pessoas solitárias nem sempre conseguem passar para o público quanto a solidão afeta seus personagens. O maior acerto de Dias (Days, 2020) é justamente proporcionar essa sensação desoladora, inerte e desconfortante, ao acompanhar o dia a dia de dois homens que eventualmente se encontram e compartilham momentos preciosos juntos. Mesmo considerando o fato de ser um exemplo de slow cinema, algumas cenas se prolongam um pouco mais do que o necessário, mas quem não se importa com isso vai ter um prato cheio. Definitivamente, o drama é daqueles que vão crescendo depois de um tempo.
Nota: 7,0
Sibéria (Siberia, 2020)
Abel Ferrara continua sua parceria com Willem Dafoe no drama Sibéria (Siberia, 2020), que nos coloca em um redemoinho de memórias e visões. Mesmo sendo uma experiência um tanto desconexa, é claro que essa era a intenção do diretor ao fazer seu protagonista encarar seu passado a partir de lembranças que vêm e vão sem a menor cerimônia. A fotografia e a forma como a obra é conduzida engrandecem o material, e Dafoe está excelente, como de costume.
Nota: 7,0
Minha Irmã (2020)
Filmes sobre pessoas lidando com parentes que estão com uma doença terminal já viraram um clichê por si só. No entanto, volta e meia surgem bons exemplares que nos entregam algo diferente. Minha Irmã (My Little Sister, 2020) fica no quase. Até a metade, a abordagem é extremamente óbvia, mas à medida que a protagonista vai perdendo o controle de tudo ao seu redor, o drama ganha luz. A principal responsável é a atuação fabulosa de Nina Hoss, que interpreta alguém que precisa lidar com a pressão de segurar todas as pontas – profissionais, matrimoniais, entre outras – enquanto vê o irmão sucumbir à leucemia.
Nota: 6,5
Mães de Verdade (True Mothers, 2020)
Naomi Kawase é uma diretora talentosíssima, fazendo o tipo de filme humanista que deveria ser mais valorizado. Dito isso, em Mães de Verdade (True Mothers, 2020), a cineasta japonesa não consegue alcançar o potencial da história que conta. Ao discutir adoção e suas complexidades, o drama tenta apresentar algo novo, mas tudo acaba passando a sensação de que já foi visto antes, e os floreios na edição apenas atrapalham. Mesmo assim, as atrizes proporcionam ótimos momentos e a emoção surge naturalmente, sem histrionismos.
Nota: 6,0
O Charlatão (Charlatan, 2020)
Agnieszka Holland já entregou obras incríveis, como o subestimado O Jardim Secreto (The Secret Garden, 2020). Com seu novo filme, ela se rende a uma direção pouco inspirada, apesar da premissa intrigante baseada em fatos reais. Tanto o visual quanto as escolhas narrativas de O Charlatão (Charlatan, 2020) aproximam o drama dos vários filmes que são isca para Oscar lançados anualmente. A complexidade dos personagens principais e dos dilemas só ficam visíveis quando a história foca na relação amorosa entre o curandeiro e seu assistente. Ivan Trojan está ótimo, mas acaba sendo ofuscado por Juraj Loj, que entrega uma das atuações mais bonitas do ano e nos faz pensar que um filme sobre seu personagem seria muito melhor.
Nota: 5,5
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